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26 de novembro de 2008

REVISTA PLÁTANO







O MÁRIO CASA NOVA MARTINS faz uma revista a "PLÁTANO" em Portalegre. Foi feita a apresentação do Nº4, no dia 1 de Novembro.
Só por falta de tempo, não falei ainda dela.
Uma revista cultural, com colaboradores de impressionante curriculum, que esgota a cada número que sai, linda e onde aprendi, como é costume com o Mário.
Há uns meses atrás, o Mário, convidou-me para escrever uma das minhas histórias para este número da sua revista.
Tremi perante a responsabilidade, mas a Ana Maria, como amiga que é, deu-me um empurrão e mandou-me passear, a mim e ás minhas parvoíces.
Funcionou. Escrevi.
Obrigado Ana Maria!
Nunca poderei agradecer o suficiente ao Mário, por ter acreditado em mim, por ter corrido este risco, por me ter convidado para uma revista com semelhante qualidade, por me ter dado a hipótese de ver uma história minha, escrita em letra de forma.
Eternamente agradecida, Mário. Bem Haja!
Deixo-a aqui para ver se gostam.

Três Mulheres...Uma Geração



Estávamos na paragem do autocarro que nos levaria ao liceu, onde as três andávamos desde o início, quando ela apareceu, direita, cabeça bem levantada, ar apressado, características que ainda hoje mantém, para iniciar os dois últimos anos do liceu, vinda de colégios de Freiras.
Nunca imaginaríamos, naquela altura, o vendaval de ar fresco, de irreverência, de independência, de transgressão de gargalhadas, que varreria as nossas vidas.
Foi logo no segundo dia que, quando entrou a única Professora de Moral que existia no liceu, mulher dos seus sessenta anos vestida, como era hábito, de saia escocesa encarnada, e meias de lã até aos joelhos da mesma cor, se ouviu uma gargalhada sonora, irresistível, que por ser tão proibida, pôs a turma toda a rir, quebrando o gelo.
Pior que as gargalhadas só as discussões que Rosarinho tinha com a Setôra que se tornaram lendárias no liceu. Rosarinho tudo punha em causa. As suas opiniões por serem tão diferentes, não poucas vezes nos levaram às gargalhadas, enquanto Rosarinho olhava para nós não parecendo compreendê-las. As faltas colectivas, a Moral, começaram a chover. A fúria estalava, a Professora dizia-a imoral, e ela respondia que tão-somente amoral.
Não se tornaram mais graves, por termos na turma as que viriam a ser as duas melhores alunas femininas em Portugal: a Mónica com média de vinte, seguida pela Rosarinho com média de 19,8.
Foi aí que começou a doutrina.
Ainda hoje me espanto, por uma miúda com dezasseis anos se atrever a dizer, naquele tempo, a uma professora, que do seu ponto de vista, a Professora estava enganada.
E as discussões continuavam pelo intervalo fora, já só entre nós, com argumentação forte.
Mónica contrapunha com inteligência, defendia-se bem, sem nunca pôr nada em causa.
Isabel e eu enfeitiçadas.
Rosarinho lá passou de tímida a revolucionária, por intrinsecamente não ter qualquer sentido hierárquico, ou melhor, por, tão só, não reconhecer hierarquias. Gravitávamos à sua volta em menos de nada, Mónica incluída.
Mónica, Isabel, Rosarinho e eu, as quatro da vida airada.
A meio da faculdade, Tomás namorado de Isabel, mais velho cinco anos, quis casar antes de ir para a guerra. Por influência de todas nós, mas principalmente da Rosarinho, Isabel acabou por dizer que queria acabar o curso, deixando-o partir sozinho.
A que mais mudou desde o liceu e repentinamente foi Mónica, a mais brilhante, a mais culta, também a mais conservadora, depois de conhecer um Smith, partiu com ele para conhecer mundo, deixando o quinto ano de Direito por fazer. Por influência de Rosarinho, que dizia que o Direito não fugiria. Voltou três anos depois para o acabar, com médias superiores.
Rosarinho a mais inquieta acabou o curso de História que nada lhe dizia, entrando para um museu, mundo parado demais para toda aquela inquietude. Fez o, ou dos primeiros MBA que apareceram em Portugal e é hoje uma reconhecida gestora.
Quando Tomás voltou, traumatizado, alcoolizado, casou com Isabel, que decidiu deixar de trabalhar, já com o estágio de advocacia feito.
Tivemos algum medo, que Isabel a estouvanada, não aguentasse uma vida de clausura.
Saiu-se bem, arranjando novos interesses, sendo mãe, recuperando Tomás, e ainda hoje dá gosto vê-la sentada no chão encostada às pernas de Tomás, que brinca sempre com os seus cabelos. Têm quatro filhos.
Mónica apaixonava-se ora aqui ora ali, desaparecendo às vezes no estrangeiro por meses. Talvez por ter sido a que mais tarde se rebelou contra o “status quo”, tivesse demorado mais tempo a perceber que poderia ser o que quisesse, que não teria de aceitar integralmente o “estabelecido”, que o poderia reinventar, que precisava de saber o que lhe faltava para se sentir feliz. O sinal de amadurecimento apareceu quando decidiu fazer o Doutoramento, casando pouco depois com Luís. Tem dois filhos e luta por ser devidamente reconhecida na sua carreira de juiz, e na de Professora Doutora. Há dois ou três anos atrás, para lhe não darem um cargo que merecia, ouvi alguns notáveis dizer que era inconstante...julgada por dez anos de vida, entre os vinte e dois e os trinta e tais, “esqueceram” os vinte e oito anos posteriores. Ainda têm medo das mulheres brilhantes, inteligentes e independentes, alguns homens.
Rosarinho a mais exigente continuava só. Irreverente, inteligente, de sorriso fácil e gargalhada espontânea, independente como poucas, sem papas na língua, assustava os homens que dela se aproximavam. Dizia ela que, só amaria um homem muito especial e que só um homem assim a aceitaria, o que era verdade, principalmente um homem da nossa geração. Teria acabado de fazer trinta anos quando se juntou com o Pedro, que soube respeitar a sua independência, e a sua constante provocação. Têm também dois filhos, nunca tendo casado.
Divórcios? Só o meu.
Mónica, Isabel, Rosarinho e eu, as quatro, que continuamos, da vida airada
Mulheres da minha geração, que se bateram pela igualdade, pela independência, pela carreira, pela vida familiar, pelo Amor, pela Felicidade, pelo Sucesso e que conseguiram tudo obter.
Mulheres da minha geração, que romperam com o establishment renegando o passado, fazendo a ponte com um Futuro desconhecido, principalmente na educação dos filhos, sem terem nenhuma hipótese de feedback, saindo-se muito bem.
Mulheres da minha geração, corajosas, que souberam tudo pôr em causa, antes do 25 de Abril, procurando o que seria melhor para elas, tendo a coragem, em alguns casos, de retomarem os passos renegados, deixados para trás, reconstruindo-os de maneira surpreendente.
Mulheres da minha geração, que sonharam mudar o Mundo, mas que definitivamente, ajudaram a mudar o seu País.
Mulheres de Sucesso, que lutaram, que sofreram, que caíram e se levantaram, que procuraram e encontraram, que não desistiram, Mulheres que souberam ser Felizes.
Enfim, MULHERES! que tenho o privilégio de ter por Amigas.


16 comentários:

Fatyly disse...

Igualmente "Mulheres da minha geração" com as quais me identifico. Fantástico e GOSTEI MUITO!

Beijos e um Bom Dia

Bartolomeu disse...

Dás-me licença para crescentar dois adjectivos a estas MULHERES?
Conscientes e Clarividentes!
Da realidade de um país, e de uma sociedade, dos seus lugares das suas competências e das suas responsabilidades na co-construção do futuro.
;)

claras manhãs disse...

Pois são Fatyly!!!

beijinhos

claras manhãs disse...

Olá Bartolomeu

Fizeram muito.
Algumas também desfizeram muito.
A Vida sempre troca algumas voltas...

beijinho

Mateso disse...

Havia a necessidade de questionar,saber,contestar pela simples razão de estar viva ,e no mundo ,e, para o mundo. Sem preconceitos ,ou outras veleidades, não diminuindo ninguém nem coisa nenhuma, " a nossa safra" foi muito especial.
Obrigada pela recordação.
Bj

claras manhãs disse...

Olá Mateso

Às vezes com alguma revolta.
Mas o que não há dúvida, é que se cortou com múltiplas maneiras de ver e estar, sem se saber o que ia dar, sem podermos olhar para trás e ver algum resultado do já experimentado.
Foi tudo (sou sempre exagerada)experimentado por nós, sem rede.

beijinho

Mário Casa Nova Martins disse...

Minucha
A Plátano nunca correu nenhum “risco”…
Já se sabia que o seu Conto seria excelente!
Foi uma Honra ter aceite o convite.
Beijinho.
Mário

Mário Casa Nova Martins disse...

Um Conto tão admirável
Que a Minucha escreveu
Como seria espectável…
E tal como aconteceu!

claras manhãs disse...

Olá Mário

Obrigado, Mário e obrigado pela Sua Amizade e generosidade.
A Honra foi minha, não se esqueça, Mário

Beijinho
M

claras manhãs disse...

Viva, Srº Oliveira da Figueira!!

Um prazer tê-lo cá de novo.
Obrigado pela Honra que me dá, ao fazer-me uma quadra.

Beijinho

Nuno de Sousa disse...

Lindo momento minha amiga... realmente sempre admirável o que escreves. adoro.
Olha uma pergunta e vai já por aqui... por acaso gostavas de escrever algo de uma foto mas que seja infantil e para crianças?
Depois conto-te :-)

Em relação ao pelouro de Sintra já enviei diversos email's para a Câmara de Sintra outras dirigidas ao Presidente e nada nem uma resposta... mas na da de desistir :-)

Bjs grandes
Nuno

claras manhãs disse...

Olá Nuninho

Claro que quero! para uma fotografia tua, sempre,
depois explicas-me.

Telefona à Câmara, Nuno, nada de emails.
Telefona

beijinho

Unknown disse...

Texto magnificamente escrito. Os meus sinceros parabéns pela publicação do mesmo, merecidissimo destaque!

Vou adorar ter o privilégio de ter um texto seu especialmente escrito para uma foto minha. Darei notícias brevemente :-)

Beijinhos.

claras manhãs disse...

Olá Helena

bem-vinda

Obrigado, pelo elogio, mas retribuo, como já o tinha feito no teu blog.
Está lindíssimoe vai ser um privilégio escrever para uma das tuas fotografias
Conheço-as quais todas, pelos menos aspublicadas nos diversos sites.
Ainda não vi as flichr.
Ao teu dispôr quando quiseres

beijinho

Luís Maia disse...

Não posso faltar com o meu beijinho, pelo
teu conto, por ti pelo teu estilo, que reflecte aquilo que tu és.

Não és uma fingidora, sente-se na tua escrita que só dizes aquilo que pensas.

PS-Outra coisa é sabermos se eu concordo, com o que dizes acerca da nossa geração,

Concordo em absoluto, mas tenho muita dificuldade em aceitar aquilo que tu embora não digas, possa levar a que, alguns "velhinhos" da nossa idade, fiquem muito felizes por serem da nossa geração. (já tenho ouvido dizer isso)

Fizemos muito em especial as mulheres como dizes no conto,pela mudança de mentalidades , mas depois vendemos (claro que não individualizo) os ideais ao desbarato e ocupámos (alguns de nós) os lugares do poder, esquecendo que é proibido proibir ou que a fome a miséria e a doença dizima milhões de pessoas pelo Mundo fora e ainda é a nossa geração que está no poder e nada faz.

Detesto-a por isso e pela herança que estamos a deixar à que no seguirá.

Não vale a pena zangares-te eu sei que concordas em muito com o que eu disse, só que não podes exprimi-lo no espaço naturalmente reduzido dum post.

claras manhãs disse...

Claro que concordo Luis!

Mas repara, falo de mulheres, que se atreveram a pôr tudo em causa, num tempo em que, e tu sabe-lo bem, nada era permitido às mulheres.
Mas Lindinho, por cada uma destas, há pelo menos outra, que nada pôs em causa.
O poder político de há uns anos a esta parte, em todos os Partidos, salvo o PCP, já não é da nossa geração. É da geração abaixo.
O poder económico, esse é da nossa geração, mas os homens são mais conservadores do que as mulheres, além de terem de se preocupar em não deixar abrir espaços às mulheres, o que lhes dá uma enorme trabalheira, e os faz ficar mais fechados a qualquer mudança.
Os que estão no poder económico, e alguns do poder político, nunca puseram nada em causa, estão suspirando pelo passado, apesar do presente lhes trazer muitos mais benefícios.
A nossa geração, como qualquer outra tem o bom e o mau.
Na nossa sentimos que é pior, porque tiveram a hipótese de mudar e não o quiseram fazer, além de todos aqueles e aquelas que mudaram só por serem jovens e que voltaram ao que eram os ideais pequeninos dos seus avós.

beijinho