René Margrite
Maria Antónia, tinha quase sempre a porta aberta, de feitio crédulo e optimista, deixava que por ela entrasse meio-mundo. Uma porta cuja antecâmara era uma praia, onde de vez em quando, muito raramente, tinha necessidade de convidar alguém a sair.
Passada a praia. sentia-se um oásis de paz e de bem-querer
Um dia quando a porta só estava entreaberta, viu entrar uma nuvem pequenina, clarinha, mas que mal chegou à entrada, começou a deixar cair água em abundância, molhando tudo e todos que ali se encontravam e pondo-os em debandada
Ficou a olhar a nuvem que quase lhe sorria e que com toda a calma, como se mais nada tivesse para fazer, se encaminhava para ela, voando com u-ma len-ti-dão
Quando lhe roçou no braço, Maria Antónia ficou enfeitiçada olhando o que a nuvem lhe tentava mostrar, mas não queria acreditar que pudesse haver tão grande sonho, um sonho que lhe levaria uma vida inteira para realizar
e a nuvem, devagarinho foi-se infiltrando, enchendo-a de um bem estar e Maria Antónia pensou ser capaz de arcar com aquele sonho tão belo. A nuvem não a largava envolvendo-a cada vez mais e melhor, naquele encanto que era só seu.
Mas como é de calcular uma nuvem, embora possa não parecer, tem mais para fazer e teve de deixar Maria Antónia à sua sorte e à sua vontade de fazer crescer o sonho ou de o deixar mirrar.
Maria Antónia começou entusiasmada, mas o sonho, talvez por ser tão grande, ou tão belo, ou tão mágico, fez-lhe medo
andou com ele para a frente e para trás, revirou-o por todos os lados, avançou um bocadinho, a medo, mas cada vez o sentia mais pesado e quando um sonho nos embala é sempre alegre e ligeiro, pensava Maria Antónia com ela própria, enquanto o ia deixando deslizar por ela abaixo, com receio das desilusões que ainda lhe poderiam aparecer durante a realização daquele sonho.
Acabou por o deixar escorregar até aos seus pés, com as lágrimas a correrem-lhe pela cara abaixo, desesperada por já não ser capaz de, aos 42 anos, agarrar com força e não largar um tão mágico sonho.
A nuvem apareceu insistente e Maria Antónia aceitou-a mais uma vez de braços abertos, mas quando ela se infiltrou já não lhe viu tanto encanto, já não lhe reconheceu a magia, já não achou tão belo o sonho e devagarinho, muito devagarinho foi baixando os braços, vencida.
A nuvem partiu mais escura do que quando tinha entrado, mais pesada, rejeitada.
12 comentários:
lindo sonho de bem-querer. senti-me embalada nele :-)
Etapas da vida que perante um sonho tão idealizado nos levam a baixar os braços e que nos deitam por terra. Com isso e sem darmos por isso afastam-se as nuvens escuras e...crescemos!
Enquanto lia nem imaginas a quantidade de pensamentos que me vieram à cabeça. Sensacional!
Beijos
Olá, belíssimo texto, comoveu-me, gostei!
Beijinhos,
Fernandinha
Preciosa Amiga:
Uma nuvem? Foi um sonho.
"...A nuvem apareceu insistente e Maria Antónia aceitou-a mais uma vez de braços abertos, mas quando ela se infiltrou já não lhe viu tanto encanto, já não lhe reconheceu a magia, já não achou tão belo o sonho e devagarinho, muito devagarinho foi baixando os braços, vencida.
A nuvem partiu mais escura do que quando tinha entrado, mais pesada, rejeitada..."
Incrível de criatividade e delicia, esta nuvem mágica.
Pena, a parte final.
Excelente. Adorei!
Beijinhos de felicidade
Oxalá a nuvem a proteja.
pena
Olá Júlia
Que saudades!
Sei que a culpa é minha, mas...às vezes as coisas não correm como queremos.
Beijinho grande, grande
Olá Fatyly
Os onhos às vezes podem ser grandes de mais.
Parece que não, mas depois pode-se sentir alívio, tal como disseste.
Beijinho
Olá Fernandinha
Bem-Vinda!
Encontramos em alguns sítios, temos gostos parecidos e fico feliz por a ver por aqui.
Obrigado Fernandinha
beijinho
Olá Pena
sorriso feliz
Fico contente por teres gostado
A parte final...às vezes há nuvens mágicas que não conseguimos agarrar e é sempre uma pena.
Obrigado pelos desejos de felicidade, que daqui partem para ti com igual intensidade.
beijinho
Afinal o sonho-nuvem continua pairando, não sei se entreaberto pela porta.
Por vezes arcamos com demasiado peso e temos de afrouxar ... e os sonhos, são isso mesmo, devaneios ou delírios que nos podem prender e pesar, pelos castelos que nos fantasiam.
Normalmente são abstractos.
Mas quando se soltam, ficamos livres... Não podemos regressar ás nuvens.
nem sempre temos força para vivermos os nossos sonhos...às vezes o comodismo leva-nos a aceitar a realidade sem a cor do sonho
...adorei ler-te, nem imaginas quanto!
beijos
Olá Xistosa
Mas os sonhos podem ser também o que nos faz mexer e avançar, podem ser, deveriam ser, mágicos, sempre.
Beijinho
Olá Carla
Como sempre entendeste-me bem.
Pode ser triste viver sem a cor dos sonhos.
Beijinho
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