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13 de outubro de 2008

UMA OUTRA MARIA



A MATESO escreveu no seu belíssimo blog aArtmus, DEGRAUS um espectacular conto sobre a vida de uma mulher, Maria.
O conto, como costume, está excepcionalmente bem escrito, com uma poesia e detalhes habituais na escrita de Mateso.
Apenas achei que era um dos aspectos de uma vida, que haveria mais aspectos possíveis e perguntei-lhe se poderia dar a minha visão de Maria.
Com a autorização de Mateso, aqui está.
Não deixem de ir ler o conto da Mateso, até porque uso a estrutura que achou por bem dar ao texto, que achei muito bem conseguida.


Frederic Larson




Acordou a meio da noite, como lhe acontecia há já algum tempo, sentindo-se a fervilhar de impaciência.
Sentia que havia já um distanciamento entre os dois, palavras esquecidas por não serem ditas, gestos não repetidos por terem sido esquecidos, por isso a insatisfação que sentia, a impaciência a irritabilidade, seria pela profissão que ambos afincadamente perseguiam? seria a rotina?
Levantou-se e foi até à cozinha, sempre às escuras como era seu costume, onde se sentou a comer uma maçã, roída com voracidade, maneira que tinha de deixar escoar todos aqueles sentimentos que a incomodavam, a impacientavam. Olhando a rua que o candeeiro iluminava, perguntava-se onde estava a alegria quando se viam, onde estava a bela recepção quando um deles chegava mais tarde, onde estava....ui! tanta coisa, pequenas coisas, mas que faziam da vida uma festa. Teria de ser a rotina a instalar-se, apropriando-se da vida dos dois e dos seus sonhos. Não, as coisas não poderiam ficar assim, os seus trinta e dois anos e a sua maneira de ser de oito ou oitenta, não lho permitiam, rebelavam-se contra esta situação
Abanou-o, empurrou-o, discutiram, umas vezes azedamente, outras com um pouco mais de calma, mas fez-lhe ver que assim não ficaria, não continuaria, não queria assistir ao acabar do amor entre eles, com um simples encolher de ombros. Fez-lhe ver, que a rotina a matava, que tinham de inventar maneiras de manter acesa a paixão e essa vontade de comunicarem entre eles, mesmos se os interesses não eram os mesmos. Aprenderiam os dois um com o outro.


Maria estava mais uma vez na cozinha roendo uma maçã, o que nunca era muito bom sinal. Ia nos cinquenta e com algum medo das transformações que o seu corpo já sentia.
Deu por ela a pensar como tinham passado apressados os anos....
Não, ela não tinha abrandado nem amolecido. Guerreira, sempre que o sentia mais afastado lá o abanava, tornava a empurrar, discutia mais um pouco e encarreiravam, mais uma vez.
Agora era ela que sentia necessidade de apoio, que não se sentia tão bem na sua pele.
Sim, os interesses de ambos tinham-se afastado mais ainda, mas reconheciam-se nesse direito, nessa independência e tinham sentido que até tinha sido bom para os dois. Entrecruzavam as informações, partilhavam aprendizagens e quando algum parecia mais predisposto a abrandar, o outro espicaçava-o não o deixando entregar-se à rotina. O amor tinha florescido, tinham inventado códigos só deles, cumplicidades e risos que mais ninguém percebia e apesar das asperezas da vida, que não poupa ninguém, tinham singrado lado a lado, tendo consciência que não seriam tão felizes se não estivessem juntos.


Acordara mais uma vez durante a noite.
Acordava, agora, tantas vezes durante a noite, tantas noites desde que ele tinha tido há três meses um ataque cardíaco e ela desde esse dia em que sentira, pela primeira vez, que o podia perder nunca mais dormira bem, quase com medo que ele partisse sem ela se dar conta. No fundo, no fundo tinha medo que ele partisse primeiro....
Ali na cozinha, roendo uma maçã, já não de forma voraz, já perto dos setenta anos, relembrava um tempo em que estivera por um fio o seu casamento, não fora a sua atitude de luta perante a vida e talvez se tivessem afastado de vez. Relembrava o amor que lhe tinha e como ele lhe correspondia, a maneira terna como lhe passava o braço pela cintura sempre que a queria beijar, a forma como lhe retirara os medos da menopausa fazendo-lhe ver que era o princípio da libertação, o princípio de uma nova fase da vida, o princípio da maturidade. Se não fosse ele jamais teria encarado esse período como uma mais-valia. Desse facto adviera uma liberdade para se entregarem sem nenhuns constrangimentos sem estarem preocupados com tempos. O mundo continuava a ser deles.
Ultimamente ele preocupava-se mais com ela, por tantas vezes acordar durante a noite, sabendo o que ela sentia. Não eram já necessárias as palavras entre eles.
Parecendo que a pressentia, sempre acordava pouco depois e vinha amorosamente buscá-la à cozinha, onde sabia que a encontraria roendo uma maçã.
- quantas já roeste esta noite, Meu Amor?

12 comentários:

Mateso disse...

Helás! Maria , sempre Maria . A tua maria vibrante no quotidiano do nosso mundo. Parabéns.A maçã roi-se sempre seja voraz, lenta ou pensativamente. Um acto de degustação de vida.
Obrigada pela apreciação e, sobretudo pela forma como a estendeste à vida.
Bj.

claras manhãs disse...

Olá Mateso

Eu é que tenho de te agradecer.
Gostei de ter escrito esta mulher.


beijinho

Luís Maia disse...

Gostei bastante, porque salvaste o teu conto, na altura exacta.

Salvaste-o da habitual (nos maus contos claros) crónica dos amores heróicos das mulheres, perante a vulgaridade básica masculina.

Um beijinho lindona

Teresa disse...

minha querida,

roa eu maças assim, dessas eternas :)

um beijo enorme, tenho saudades tuas!

claras manhãs disse...

Olá Luisinho

Tenho saudades tuas.
Salvei-o?
nada mesmo, desde o início que era para ser assim.

Beijinho, lindão

claras manhãs disse...

Olá Teresinha


ando com tantas saudades tuas.
Sempre pensei que te veria quando a Madonna passou por cá...

Beijos de saudades

Anónimo disse...

Excelente blog. Letras bem arrumadas, emolduradas por belíssimas imagens... Parabéns!

Beijinho

claras manhãs disse...

Olá Luis

Que bom rever-te, neste novo espaço.
Ainda bem que gostaste
Obrigado. Vindo de ti é um grande elogio.

Beijinho

Luís Maia disse...

Minha querida

Salvaste-o, quer dizer, no meu conceito, estava a seguir a tal linha que eu não gosto mas claro que não era a essa a tua ideia porque eu sei que não pensas medíocre

Gosto sempre de deixar uma pitadinha de pimenta.

As saudades são para matar.

António Conceição disse...

"Parecendo que a pressentia, sempre acordava pouco depois e vinha amorosamente buscá-la à cozinha, onde sabia que a encontraria roendo uma maçã.
- quantas já roeste esta noite, Meu Amor?"

Mostrava-se mais terno do que nunca, mas sabia que nessa ternura não havia ternura, mas só fingimento. Temia que ela descobrisse que o enfarte fora provocado pelos excessos do viagra e das sessões no motel com a outra, a Célia, secretária, divorciada, 49 anos, a quem comprara um apartamento nas Amoreiras com o dinheiro do PPR. O que diria a mulher , quando descobrisse? Não a amava, mas o seu amor fingido era sincero. Pesava-lhe a dor que ela ia sentir quando fosse, por fim, surpreendida com a sua traição. Pesava-lhe que, após a sua morte, ela fosse acabar os seus dias a um lar, por causa daquela loucura doce da Célia que o obrigara a gastar tudo quanto os dois tinham poupado ao longo da vida.
Talvez ele a pudesse matar e poupar a todo o sofrimento cruel que a esperava. Foi a pensar nisto que a abraçou e a conduziu de novo ao quarto e ao leito conjugal.

claras manhãs disse...

Olá Luís


Pois, mas lê lá agora o que o Funes disse....
e já não foi uma mulher a dizê-lo

beijinho

claras manhãs disse...

GARGALHADA

Funes Querido

esse fim é tortuoso, como só um homem pode ser
eu sou uma anjinha!
risos

beijinho