Frederic Larson
Não me lembro de ter sonhos de infância, lembro-me bem dos pesadelos, de leões, baratas e outros monstros que me perseguiam, sempre muito maiores do que eu, mesmo as baratas, gigantes e eu tão pequenino do tamanho de um grão de ervilha que acordava encharcado em suor e gritando, sei lá por quem, que nunca aparecia, quando ia ser agarrado.
Não, nunca tive sonhos de criança, ficaram enterrados não sei onde, porque se soubesse onde estavam escondidos teria lá ido buscá-los, só tive pesadelos na infância sobre o que se ia passar no dia seguinte, mesmo quando não podia prever o que iria acontecer, sendo que esse era o pior pesadelo.
Sonhos? Não, nunca tive esse privilégio, o único sonho que tive já no meio da adolescência, foi poder sair daquela casa fosse como fosse, fosse para qualquer outro lado, tanto fazia, que pior era difícil.
Só sonhei quando já era mais velho, por qualquer dos meus amigos viver num universo com que sonhava poder ter tido, ou que mais tarde pudesse ter, foi talvez esse o único sonho que me vinha abrandar a vida.
Sonhar foi sempre um impossível sonho
mas mesmo ao meu lado tinha uma irmã que sonhava o tempo todo, sonhava também em sair de casa, mas agarrou-se de tal maneira a esse sonho que só vivia o futuro, quase sem ligar ao presente a não ser quando lhe chegava da pior maneira, sofria mais do que qualquer outro, porque caía do céu aos trambolhões
Lá em casa ninguém sonhava, todos viviam em pesadelo.
Quando saí de casa, finalmente, reeditei o pesadelo por já não saber viver sem ele, porque para se sonhar é necessário ter-mos praticado
Agora que estou para aqui meio-desfeito, percebo como é fundamental poder ter-se sonhado, para não se cair neste erro de viver rodeado de pesadelos já por mim criados, por hábito, por ser mais fácil, por ser tão difícil tudo mudar, por ter medo do desconhecido, que sempre é melhor ter pesadelos e da vida nada esperar, do que sonhar e ter desilusões que são a pior forma de pesadelos.
Não sonhei, não tive ideais, não me bati por nada, fiquei agarrado aos pesadelos, fazendo de conta que tinha uma vida impecável, enganando todos que de mim se aproximavam sem perceberam que era nada, fogo-fátuo, conquistando quem queria, deixando rasto de maravilhoso, enquanto ignóbil ia destruindo ilusões, amores, ou quem quer que de mim se aproximasse, rindo sempre de tão fácil ser a todos enganar.
Passei pela vida sem reparar
Sem viver, sem amar
fazendo com que me amassem, mas sem jamais lhes ter retribuído
sem sonhar, nem sei o que a palavra quer dizer
meio morto, vegetei
8 comentários:
Não consigo dizer-te nada, Minucha! Tenho perto, perto, perto, alguém que eu amo muito, e que vive num pesadelo terrível!
Pudesse eu dar-lhe um sonho, pequeno que fosse, um sonho, e , eu dava!
Vê-lo ali, quieto, sem nada apetecer dizer, nada!
E eu a saber que o coração dele é enorme, enorme, e, tão rico!
Perdoa-me o desabafo, Querida, mas, eu adoro aquele meu irmão demais! Demais!
Beijo, Querida.
Há infâncias tão marcantes e com ausência de sonhos tornam-se adultos com máscaras, sem sequer pensarem se essa seria a melhor forma de se vingarem do que nunca tiveram...já que o sonho conquista-se em qualquer idade e se o fizerem não correm o risco de estarem sempre em estado "vegetativo emocional".
Conheço pessoas com infâncias terríveis e inimagináveis que se tornaram adultos fabulosos e por si só ainda hoje sonham e conseguem transmitir o sonho, coisa que nunca lhes fizeram...mas também conheço dois que hoje são o são - terríveis e assustadores...doentes!
Um beijo desta que sonhou, deixou de sonhar e aprendeu a voltar a sonhar e hoje não abre mão nem de um sonhozinho!
Olá Cris
Percebo-te muito bem, podes crer
beijinho, porque hás-de arranjar maneira de lhe transmiteres um
Beijinho
Olá Fatyly
Dizem os psicólogos, que é difícil de quebrar a cadeia do que nos é transmitido.
Assim, um filho batido, baterá nos seus filhos.
Felizmente há quem consiga quebrar essas cadeis de desamor.
Beijinho
Na infância de desamor, no escuro de afectos, no corpo dorido do sopapo, na lágrima cheia de solidão, cresce a criança, faz-se a mulher, forma-se o homem. É assim a vida. Um punhado de silvas atadas de esperança. Depois, qundo o punhado se desata jogado na estrada da vida, pisam-se os cardos porque a raiva cresceu no lado da alma. Depois, percorre-se a esquina do encanto, da criação, do sonho. Então , é aí, que o nosso fermento, a nossa dor, a nossa raiva o faz pão de cada dia na nossa mesa de sonho .
Texto dorido mas belo.
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Naturalmente que podes . Mostra-me a tua Maria. vida veste capas diferentes.É apenas isso. No recôndito de cada um as capas ditam o sentir.
Bj.
Olá Mateso
Há pessoas que não conseguem transformar a raiva em sonho e destroem-se.
Obrigado.
É exactamente isso: diferentes sentires.
beijinho
Parece que são muitos os que, de tanto verem os seus sonhos pisados nas idades em que a força para lutar por eles não é ainda arma, acabam por acreditar que deixando de sonhar deixam de sentir dor...alguns tornam-se irredutívies, não recuperam dessa amputação, outros, uns mais outros menos, acabam por deixar-se arrastar, mais tarde ou mais cedo, por esse irresistível exercício de sobrevivência, num quotidiano a preto e branco!
bj
Olá Inês
parece que sim, dizem os psicólogos.
O que adiantava era que os pais se apercebessem disso, para assim não amputarem os filhos.
beijinho
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