"Maria Antónia sabe que tem de lá ir, que tem de fazer o esforço, tem de lhe ir dar os parabéns, mas quando pensa que tem de enfrentar além dela aquelas duas agripias*, sente um torno apertando-lhe as entranhas, encosta-se à parede, dobra-se com a dor, sabendo que está sozinha, sempre esteve sozinha quando tinha de a enfrentar, escorregando pela parede abaixo, enrola-se nela própria, gemendo com a dor ou com a incapacidade que sente.
O vale, como é belo o vale quase despido de tudo, meia-dúzia de árvores lá no cimo de um monte e três cavalos, bem arreados, esperando uns ao lado dos outros, impávidos e serenos, transmitindo-lhe essa acalmia. Começa a subir o monte, apanhando uma flor aqui, outra acolá, compondo um ramalhete para lhe dar de presente que é bem melhor que os obrigatórios “feito por mim” que não gosta, por no seu coração não haver amor, só temor e que ela nunca usou ou usará.
Os cavalos esperando por ela, apanhando mais uma flor acolá, outra ali , acabando o ramalhete que lhe entregará, segurando a rédea do cavalo preto, encostando a cabeça no dorso do cavalo branco, passando o braço por cima do cavalo castanho, pensa que já está calma, quando se ouve um rebentamento, os cavalos empinando e assustados desaparecendo, sem olhar para trás por não querer saber o que aconteceu, adivinhando pelas batidas do coração que o medo invade, que está já cercada por todos os lados, sem saber para onde há de fugir, por saber o que vai acontecer, o monte desaparecido, o medo instalado em cada poro, o vale estragado, um torno a apertar-lhe as entranhas, meia-dúzia de árvores sem cavalos, dobrando-se com a dor enquanto eles a agarram, levando-a à sua presença, dizendo que ela não queria ir, que tentava fugir.
Diz que não, que foi só apanhar flores, mostra a mão onde o ramalhete desapareceu, fica a balbuciar, ouvindo-a já com o seu ar de desprezo, olhando-a de cima abaixo, a gritar INGRATA, como tivesse de se prostrar para a vida lhe agradecer.
Volta ao vale de quando era menina, para ver se a sua beleza a acalma, olha em redor à procura dos cavalos ou ao menos da meia-dúzia de árvores lá no cimo do monte, mas Maria Antónia nada encontra a não ser negrume.
Dá por ela no chão, cara suja de lágrimas pela dor ou pela incapacidade que sente, os soluços transformando-se em arranques que lhe saem das entranhas, os arranques passando a vómitos, acabando por sair um monstrozinho esverdeado, cor do medo, viscoso que a tudo se agarra, que as mãos dela puxam com força para que todo saia, mãos que tem de esfregar na terra para se ver livre desse visco
Levanta-se, vira as costas ao vale, sabendo que nunca mais precisará dele e vai enfrentá-la e às duas agripias, que com vozes aflautadas vão deixando cair sementes de ameaças, como quem deixa cair maçãs podres, ou flores desfolhadas com cheiro nauseabundo....
enfrenta-as, Maria Antónia, de mãos vazias, vazias da ansiedade, vazias de tudo, vazia daquela dor que lhe apertava as entranhas
as ameaças escorrendo-lhe pelo corpo abaixo, enfrenta-as sem couraça, sorrindo
*Agripias - é uma palavra que não existe em português, pelo menos não a encontrei no dicionário. Aportuguesei e substantivei o verbo francês Agripper. Poderia ter usado "Agripinas", mas gostei mais do som de agripias
O vale, como é belo o vale quase despido de tudo, meia-dúzia de árvores lá no cimo de um monte e três cavalos, bem arreados, esperando uns ao lado dos outros, impávidos e serenos, transmitindo-lhe essa acalmia. Começa a subir o monte, apanhando uma flor aqui, outra acolá, compondo um ramalhete para lhe dar de presente que é bem melhor que os obrigatórios “feito por mim” que não gosta, por no seu coração não haver amor, só temor e que ela nunca usou ou usará.
Os cavalos esperando por ela, apanhando mais uma flor acolá, outra ali , acabando o ramalhete que lhe entregará, segurando a rédea do cavalo preto, encostando a cabeça no dorso do cavalo branco, passando o braço por cima do cavalo castanho, pensa que já está calma, quando se ouve um rebentamento, os cavalos empinando e assustados desaparecendo, sem olhar para trás por não querer saber o que aconteceu, adivinhando pelas batidas do coração que o medo invade, que está já cercada por todos os lados, sem saber para onde há de fugir, por saber o que vai acontecer, o monte desaparecido, o medo instalado em cada poro, o vale estragado, um torno a apertar-lhe as entranhas, meia-dúzia de árvores sem cavalos, dobrando-se com a dor enquanto eles a agarram, levando-a à sua presença, dizendo que ela não queria ir, que tentava fugir.
Diz que não, que foi só apanhar flores, mostra a mão onde o ramalhete desapareceu, fica a balbuciar, ouvindo-a já com o seu ar de desprezo, olhando-a de cima abaixo, a gritar INGRATA, como tivesse de se prostrar para a vida lhe agradecer.
Volta ao vale de quando era menina, para ver se a sua beleza a acalma, olha em redor à procura dos cavalos ou ao menos da meia-dúzia de árvores lá no cimo do monte, mas Maria Antónia nada encontra a não ser negrume.
Dá por ela no chão, cara suja de lágrimas pela dor ou pela incapacidade que sente, os soluços transformando-se em arranques que lhe saem das entranhas, os arranques passando a vómitos, acabando por sair um monstrozinho esverdeado, cor do medo, viscoso que a tudo se agarra, que as mãos dela puxam com força para que todo saia, mãos que tem de esfregar na terra para se ver livre desse visco
Levanta-se, vira as costas ao vale, sabendo que nunca mais precisará dele e vai enfrentá-la e às duas agripias, que com vozes aflautadas vão deixando cair sementes de ameaças, como quem deixa cair maçãs podres, ou flores desfolhadas com cheiro nauseabundo....
enfrenta-as, Maria Antónia, de mãos vazias, vazias da ansiedade, vazias de tudo, vazia daquela dor que lhe apertava as entranhas
as ameaças escorrendo-lhe pelo corpo abaixo, enfrenta-as sem couraça, sorrindo
*Agripias - é uma palavra que não existe em português, pelo menos não a encontrei no dicionário. Aportuguesei e substantivei o verbo francês Agripper. Poderia ter usado "Agripinas", mas gostei mais do som de agripias
12 comentários:
Como sempre, muito pessoal, muito vibrante.
Sente-se a pressão de que se libertou. Ainda bem.
Quanto ao valor da forma, continua igual ao já revelado!
Vou deixar os votos de que a nova Maria Antónia, consiga preencher o vazio que conquistou com os sons da harmonia e paz interiores.
E... se alguma vez a sua vontade vacilar, monte o cavalo branco, empunhe de novo o ramo de flores colhidas no vale e expulse com valentia algum gnomo irritante que presista em incomoda-la.
Quando nos libertamos de amarras, quando conseguimos deitar cá para fora o que nos tolda os sentimentos e irmos à luta...o sorriso trinunfará e verás de novo que afinal o vale esteve sempre florido e com cavalos à solta.
Gostei deste momento de leitura e reflexão.
Bom fim de semana.***
Olá Joaquim Maria
Cuidado!
Não se pode ver tudo como pessoal.
São histórias que conto e falo quase sempre de sentimentos
Obrigado
Beijinho
Olá Bartolomeu
Histórias são histórias
Claro que sei que se diz que só se fala do que se conhece....mas podemos conhecer através de outros.
Beijinho
Olá Fatyly
Aqui o vale tem o valor, como te direi?
da "ilha" em que as pessoas se podem refugiar, entendes? Quando precisam
beijinho
triste,mas bonito conto!..com aquele cheirinho de surrealismo que eu gosto tanto.
bbem querer meu
ps- o medo é verde?...:-(
Olá Júlia
boa pergunta!
O verde luminoso é esperança
do medo, o verde é o seu contrário: nenhuma luz, sem ser escuro, tom merdoso, arrepiante e horripilante, talvez com algum amarelo à mistura sem se dar por ele.
É verde sim, o meu
beijo doce
Tenho-me reservado para perceber o que vai ser o novo espaço.
Intimista, calmo e reflexivo, provavelmente não muito apetitoso para mentes mais enérgicas.
Desejo-te Maria Anónima da Silva, que ele seja o que tu queres e já agora só com os teus amigos, (não implica unanimidade de pensamento, claro), sem os indesejáveis que te não querem bem
Um beijinho incondicional
Olá Meu Querido
Não acho que me vá ficar por aqui.
terça-feira vou repor aquela história da Arrábida, para lhe dar finalmente, a continuação e o fim que sempre desejei dar.
Lembras-te? Deu origem à Casa Comum, onde tanto gostei de viver.
A continuação será salteada, será uma espécie de série Arrábida, misturada, com a série Varanda.
Rebuscar coisas de que muito gostava.
Reflexiva vai ser, penso, como o outro espaço.
Obrigado Luís, é tão bom saber que posso contar contigo.
beijo imenso, comovido
Era bom, mas acabou-se ...
Agora voltei á vida de reformado.
Sol, areia e principalmente água cálida, ficaram ...
Não ia comentar no post de cima.
Até tenho vergonha.
Um desavergonhado como eu.
Obrigada pela deferência e referência e um bom fim de semana.
Olá Xistosa
Que bom rever-te num espaço meu.
Deixa que a vida de reformado não é pior que a da cálida areia.
Sabes como gosto dos teus poemas
beijinho
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