
Os pobres desejam ter, quanto mais não seja dinheiro para comer. Não lhes pode interessar o ser, porque só serão se tiverem de comer, para não falar dos que nada de nada têm.
Os ricos e muito ricos desejam ter bens que podem comprar com o dinheiro que têm. A maior parte deles pensa que é, porque tem.
Isto vem a propósito da educação e dos valores morais do post anterior, vem a propósito também do consumo e do ser e do ter-se.
«Só se é quando se tem bens; quanto mais se tiver mais se é» esta foi a herança deixada pelas gerações mais velhas do antes de Abril de 74 aos operários e aos trabalhadores rurais, talvez os dois tipos de trabalhadores que mais se desenvolveram financeiramente no pós 25 Abril, com os seus salários a aumentarem estrondosamente.
São estes pais, a quem faltou na juventude quase tudo, que fazem os maiores sacrifícios para que nada falte aos seus filhos, e quando digo nada, refiro-me por exemplo a um blusão de cabedal de uma marca conhecida dado a um filho de 12 anos que custou mais do que todo o salário da mãe, só para o menino não se sentir mal ao lado dos seus colegas.
Asneira? Que sei eu disso se nunca me senti posta de lado por colegas e muito menos por não ter de vestir. Como se diz a uma mãe que quase não andou na escola e quando o fez foi descalça que é asneira gastar mais do que o seu salário, salário esse que fazia falta em casa, para comprar um blusão de cabedal que no ano seguinte já não servirá ao filho?
São estes filhos que tudo tiveram, que viram os seus pais fazerem os maiores sacrifícios para que nem sequer as parvoíces lhes faltassem, agora já com um canudo na mão que acham, por terem sido assim educados, que tudo lhes é devido.
Eles têm de ter para ser, foi isso que sempre desde gerações lhe foi incutido. O senhor Doutor era o Senhor Doutor, não por saber, sabiam lá eles disso, mas porque tinha uma casa, ou uma quinta e tinha trabalhadores ou criados e criadas a trabalhar para si.
Eles tinham, por isso serem doutores.
Eis agora a segunda geração que já é doutora e sente que não é, porque não tem e pensa, com toda a sociedade a dizer-lhe que pensa bem, com toda a sociedade a dar relevo ao que o Figo ou o Ronaldo ganham, que se comprar, se mostrar que tem, mesmo que comprado fiado, passa a ser. Endivida-se então para comprar o carro, a casa, o frigorífico mais as máquinas de lavar e ainda o pc tanto o fixo como o portátil, mais o serviço da Vista Alegre que o banco vendia e também o de copos de cristal.
Como se explica a estas pessoas que se pode ser sem se ter, que o importante é ser, quer se tenha ou não?
Ainda no outro dia ouvi dizer que para arranjar emprego é necessário 50% de conhecimentos, 30% de sorte e 20% de sabedoria.
Fiquei arrepiada, porque conheço bem a pessoa em questão e sei que não foi educada assim. O que se terá passado então de lá para cá?
Os ‘conhecimentos’ são uma forma de ter e toda a sociedade capitalista, pelo menos até esta crise, depois logo se verá, quer ter, quer só ter, dinheiro, bens, conhecimentos e faz tudo, esfola o gato e rouba a mãe, para ter.